Os Véus Invisíveis da Percepção

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Do quê você tem medo?

Por quê você tem medo?

Como você lida com o medo?

Quando luz se cria, sombra se projeta. Para o claro existir, o escuro deve pareá-lo. Se não soubéssemos o que é dor e sofrimento, tampouco apreciaríamos prazer e felicidade. É preciso haver contraste pra podermos discernir qualquer coisa. A realidade em que vivemos é essencialmente dual. Essa é a base do famoso conceito de yin e yang, do Taoísmo.

Não é à toa que muitos conselhos, vindo tanto de psicólogos quanto terapeutas holísticos que prestem, apontam para a necessidade de lidarmos com nossos aspectos negativos, dores e feridas, em vez de ignorá-los ou amordaçá-los. O “sucesso” no caminho do autoconhecimento, do desenvolvimento pessoal, profissional ou espiritual depende disso. Equilíbrio.

Embora evitar experiências ruins e dolorosas seja natural – afinal, ninguém gosta de sofrer –, nós, humanos, acabamos criando um ciclo de sofrimentos desnecessários e sequer percebemos.

Nossa civilização se baseia fortemente no valor, utilidade e poder das coisas. Tudo que for associado à luz, prazer, alegria e felicidade é visto como “bom” e a sua busca será estimulada ao máximo, enquanto que a sombra, a dor, sofrimento e morte são “ruins” e devem ser evitados, renegados, diminuídos, ignorados.

Que fique claro, o problema não é evitar a dor e o sofrimento. A questão é agir como se tais coisas não devessem existir. Nós festejamos o nascer de uma vida, mas abominamos a morte, sendo que ambos os acontecimentos são naturais e fazem parte da existência de todos. Não é possível fugir disso, e fingir que o fim não existe e nada de ruim vai acontecer conosco é pura ilusão.

Quando demonizamos esses aspectos “negativos” da vida, nos distanciamos do equilíbrio e nos posicionamos muito ao extremo, colocando todo o outro lado no “escuro”. Longe, fora de nossa vista, na vã esperança de que, ignorando-os, eles deixem de existir e nos afetar.

Por conta disso, reforçamos um outro mecanismo: o medo do desconhecido. Ao temer o que não conhecemos, não só perdemos a chance de aprender e encontrar coisas valiosas e prazerosas, como corremos o risco de permanecer numa situação que produz dor e sofrimento, apenas pelo receio de entrar em território novo.

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Esse medo não apenas cria muros e grades ao nosso redor, mas se projeta em qualquer coisa que possa representar uma ameaça, que possa chacoalhar nossas crenças e nos tirar da zona de conforto. E pra piorar, esse medo é facilmente usado pelo sistema pra nos controlar e manipular, alimentando ainda mais os comportamentos autoritários, violentos e paranoicos.

Tratar o medo é curar as raízes de muitos dos problemas que vivemos em nossas vidas. É dissolver preconceitos e desconfianças, é impedir violências e ameaças. É saber que está tudo bem em sentir receio e pedir ajuda. É sobre dialogar e esclarecer, sobre abraçar e acolher.

Apesar de que aqui, no hemisfério sul, estarmos na Primavera, a cultura ocidental do norte se expandiu para cá e estamos comemorando os ritos associados ao Dia das Bruxas e Finados – destinados ao Outono e transição para o Inverno, cheio de simbolismos associados à morte e a criaturas da noite.

Chamo a atenção para estas datas porque estão intimamente relacionadas ao tema do post.

“Bruxas” representaram, e ainda representam, os medos de muitas pessoas. Mulheres ditas feiticeiras, quando simplesmente tinham conhecimentos fitoterápicos e ajudavam os doentes. Mulheres ditas satânicas, quando simplesmente tinham crenças distintas das impostas pela Igreja Católica. Mulheres ditas perigosas, quando simplesmente tinham coragem de enfrentar injustiças. Mulheres que desafiavam o status quo ou que simplesmente viam a vida e a existência sob um outro olhar.

Bastava isso para gerar medo.

E Finados, ou mais especificamente, os três dias consecutivos chamado All Hallow’s Day (31/10, 1e2/11), era dedicado à lembrança dos mortos. Para os ocultistas, é uma época propícia para rituais pois se crê que neste período a fronteira entre o mundo dos vivos e dos mortos está fragilizada ou totalmente aberta.

Tal como um véu. Um filtro que separa nossas percepções, que limita o território da consciência.

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Nossa autoconsciência e questionamentos sobre o pós-vida é mais um elemento de terreno fértil para o cultivo de medos e manipulação de massas. Construímos nossas vidas ao redor das crenças sobre o que ocorre após a morte, ajustamos nossos comportamentos visando ganhar graças divinas na eternidade. Somos ensinados a temer forças superiores e a obedecer cegamente aqueles que carregam suas palavras.

Tudo isso nasce do medo. O medo do que vai acontecer, o medo de sofrer, o medo do que não se entende.

Para nos libertarmos desses medos, precisamos de um olhar crítico e acolhedor.

Precisamos entender de onde vêm os nossos receios, porque se enraizaram, em que contexto os vivenciamos. Precisamos lembrar que medo é um sentimento natural, que não há problema algum em senti-lo, e que sua ausência nem sempre é positiva. Precisamos acolher nossas reações instintivas, pois elas têm uma razão de existir e sua intenção é nos proteger.

Alguns medos são simples, outros são resultados de complexas teias. Precisamos respeitar nossos ritmos, limites e interesses para lidar com eles. Precisamos alimentar nossa confiança para enfrentá-los, sabendo que isso nos fará bem. Precisamos de compreensão, pois fobias muitas vezes são um reflexo social e a ajuda comunitária é sempre um investimento coletivo para o bem-estar de todes.

Que consigamos erguer os véus que limitam nossas percepções.


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